quarta-feira, 3 de março de 2010

POIESIS, Vol. XVIII

Introdução

Por: Isabel Rosete
20/11/2009

Pleno de mérito, contudo de um modo poético
Habita o homem esta terra.
Holderlin


Um labirinto de sensibilidades, de seres, de estares… se bifurcam em uma única obra, que é obra única, fruto de um parto intelectual colectivo. Um livro é, sempre, um filho muito desejado, quiçá, mais desejado do que qualquer outro.
Um projecto singular que prima pela diferença, pela criatividade inventiva, pela especificidade dos sentires; um desígnio universal de múltiplos sons, ritmos, e, também, silêncios do dito e do não-dito pela palavra poética, qual forma eminente pela qual a Verdade se manifesta. Assim se pode conceber o Volume XVIII da antologia POIESIS.
Com os deuses ou com os demónios, emergem todas as escritas expostas nesta obra de multíplices semblantes, tão eloquentes quanto vigorosos, enquanto mundivisões específicas interseccionadas.
Nesta obra de arte – um ser vivo e secreto cuja vida imortal acompanha a nossa vida efémera – tão genuína como qualquer outra assim designada, inspira-se o registo particular de mentes coloridas de largos horizontes, onde não habitam, nem o preconceito, nem a hipocrisia; sorve-se a intersecção de saberes-vividos e colhidos na marcha universal do devir do Mundo, aonde se manifestam as grandes questões dos Homens, pela celebração das palavras-de-origem, nas suas mais recônditas dimensões.
O canto ou o ante-cantar das Almas – que neste universo de sensações unas e diversas se expõe – é a revelação das vozes do Pensamento multidimensional, em uníssono e dispersão.
E a Poesia, que nesta obra se exterioriza de diferentes formas? O que diremos dela? Que é, também, POIESIS, seguramente! Ou seja: criação, conceber e dar forma na confirmação perpétua e universal do Mundo; re-creação originária de todos os mundos possíveis; o fluir autêntico das auras, pensadas, impensadas ou impensáveis; o encontro dos Espíritos ainda não ouvidos, ainda não dissecados pelas palavras que dizem os seus juízos de tristeza, de amargura, de encantamento ou de glória perante os insondáveis enigmas que por toda a parte se espalham, e, nem sempre, permanecem incógnitas.
POIESIS é construção e co-criação de um mundo humanamente habitável, sem ocultar o estranho do Homem no seu processo de des-familiarização com a Natureza e o Universo, um pensar interrogativo e, sobretudo, meditativo-reflexivo, que deixa as coisas serem tais como elas são, sem violência, sem o ruído das máquinas, na total ausência dos desequilíbrios ecológicos causados e mantidos pelo infortúnio da técnica moderna.
Pela POIESIS – igualmente um “clocar-em-acção” – abre-se o ainda não-aberto de todas as aberturas possíveis. Emergem todos os des-valamentos e tudo desflora no seu Ser originário. E a Verdade, então, põe-se em obra, eclode, acontece na sua realidade, para além de qualquer ficção.
A Poesia é o agir essencial, epifania, aparição do Ser e do Dizer; um projecto clarificante e não mais um errante vagabundear da imaginação num qualquer espaço irreal. Muito pelo contrário: é o espelho onde se reflectem os diversos rostos, as mais variadas faces ou formas que a Humanidade tem tomado ao longo da sua História de guerra, de paz, de fracasso ou de glória. Nada há que a Poesia não manifeste. Nela se deposita o Espírito dos Tempos, enquanto Fala maior, enquanto Diálogo eternizado e celebrado pela Linguagem universal, que em si mesma é.
Digamos que se trata de um dizer projectante, da fábula do mundo e da terra, a fábula de jogo do seu combate, o lugar de toda a proximidade e afastamento dos deuses (…). A Poesia é a instauração no sentido triplo de oferta, fundação e princípio.
Será esta nobre arte da Linguagem um feito de compaixão temporal? Uma leitura magnânima do que, de facto, acontece? Também! Mas, particularmente, a exaltação da Palavra conciliadora, necessariamente pacificadora ou revolucionária, de intervenção contra as injustiças e outras formas vis.
A Poesia, na medida em que é um corpo comum-espirtual, tudo recolhe na sua matriz e, deste modo, brota para que os segredos da Alma se tornem perceptíveis, para que os mistérios da Natureza se traduzam em formas inteligíveis. Naturalmente, para esclarecer os Homens desgarrados das suas entranhas, para manter viva e lúcida a memória dos Povos, sempre que a nebulosa Esperança teima em se ocultar por entre as garras da indigência, da penúria de um mundo corrompido pelo consumismo exacerbado, pela redutora materialidade, pela exploração técnica e por essa irónica invenção relativista do homem-medida.
Seja carne ou espírito, a fecundidade da Poesia é una, porque a obra do espírito provém da obra da carne e partilha da sua natureza. A obra do espírito é a penas a reprodução, de qualquer modo mais misteriosa, mais plena de êxtase, mais eterna, da obra da carne.
Cada escrito ou acto poético, que este volume integra, é uma viagem aos confins das essências. Por vezes, com rumo certo e determinado. Por vezes, com direcção incerta e inacabada. Mas, indefinidamente possível, na ternura infinda de um qualquer Desejo.

Falai, Poetas! Falei, para todo o sempre!

Seja ou não um fingidor – e seja qual for a forma do seu fingimento – ser Poeta é, sempre, ser mais alto, certamente maior do que os Homens, porque vê claramente visto, porque enxerga para além da miopia dos olhares comuns, apenas envolvidos na trivialidade quotidiana da azafama da sobrevivência, cada vez mais conturbada, vazia do Ser, cheia do Nada, mais pesada e menos pensada.
O Poeta é, por excelência, o Pensador. Poesia e Pensamento enraízam-se na mesma fonte: o amor à palavra com missão salvífica. Porém, o Poeta supera o Pensador, na medida em que está mais rente ao aparecimento original da Verdade como des-velamento, da morada divina que, apesar de tudo, ainda nos acolhe sob este tecto do mundo desvirtuado.
O Poeta é o que primeiro vai mais longe na escuta da interpelação inédita que a todos convoca ao Diálogo, seguindo uma finalidade inalienável: fazer emergir a Luz primogénita que tudo ilumina, até mesmo as mentes opacas, empalidecidas por uma identidade que não é a sua, na presença compartilhada da doçura de um singelo abraço universal.
E porque é, acima de tudo, o Criador, deve ser todo o universo para si próprio, tudo encontrar em si próprio e nessa parcela de Natureza com que se identificou.
Aí está ele – mesmo que invisível como um anjo sem asas – no gérmen da vibração criadora, na semente dos timbres que dão o tom miracular da Existência, de onde surge, como que por magia, o Poema, em toda a sua pujança e liberdade, qual forma singular de uma escrita iniciática, quiçá mística, que nos envolve e afaga como um dom particular de encantamento. Afinal, o que perdura é fundado pela palavra poética.
Deste modo, gera as mais variadas versões-de-mundos, a um tempo, as suas e as nossas, nele reflectidas, nele dadas como um eco das vozes de todos, sem exclusão mútua. Por nós, o Poeta sente! Por nós consente e diz, no cume das mais altas montanhas, os versos que são Vida e Morte, Amor e Dor, Fado, Destino, Caminho(s)…!
Sendo o guerreiro solitário do Poema e ao estender o seu olhar para além do tempo e do espaço finito das outras criaturas, o Poeta respira as vísceras da realidade genuína, absorve-as por todos os poros e expõe-as por uma escrita fina, que integra os mais ínfimos pormenores, no seu incessante peregrinar pelas coisas dos Homens, ex-traviados, cegos e surdos.
Nesse momento vê a Eternidade, o Ilimitado, o Imperecível, o Infinito… Descobre o feitiço do Esfinge, e percebe que a Realidade pode ser, apenas, uma ilusão, uma miragem, ou, tão-só, uma mera sorte imaginável, uma representação.
No entanto, sempre toca o inefável e o inexequível da imaginação na fragmentação da Memória, a sua e de todos os outros, presentes, passados ou vindouros, vivos ou mortos, num estádio mais-que-perfeito.
Em si confina e ergue os gritos acabrunhados. Embrenha-se no interior das coisas-mesmas, extirpando os véus que cobrem a irradiante beleza dos entes puros, e des-vala-os na abertura da clareira de um tempo sempre redondo.
Escutar a sua voz significa regressar aos sons primordiais, acolher o momento único do pulsar da Criação; retornar aos infinitos horizontes do Ser, do Tudo, da Libertação dos sentires libidinais primeiros, um dia, deixados em um qualquer Paraíso perdido, a encontrar…
E assim o Poeta penetra na essência do Universo, sempre que escuta os ultra-sons; sempre que celebra e arrebata a denúncia dos desejos (in)discretos, ressaltados pela embriaguez dionisíaca e pela plasticidade apolínea das formas.
Aí permanece a sua morada, onde confluem todos os habitares, todas as pátrias, todas as línguas e, até mesmo, Deus, sem a ilusão do absoluto ou a mágoa do esquecimento, no silêncio ancestral dos orbes celestes.
Também é o Profeta, uma re-invenção de Prometeu, o portador do fogo divino, que o Todo entrevê e avista num tempo que ainda não é, fora do alcance das gentes, bicéfalas, em dilemáticas forças opostas, vagueantes, sem saber qual o seu rumo ou direcção.

Qual Zaratrusta, é o Poeta! Qual viandante pelas mais dissemelhantes paragens deste cosmos sem fim à vista!

O Poeta ousa todos os desafios, todas hipérboles ou excentricidades emergentes do seu mundo-interior, como forma de compreensão e explicação do mundo-exterior. Não teme as vozes alheias que lançam indignos rumores. Ousa ousar o tudo! Só o Tudo lhe basta! E mais nada! É uma construção de uma vontade-de-poder sem freios!
Com o Mar, a Terra, os Céus, os Mortais ou os Divinos, aí estais, oh Poetas da POIESIS! A Todos vós, um grande Bem-hajam. Não imaginais como vos amo e venero!

Até à próxima viagem!

Isabel Rosete

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